sexta-feira, 17 de abril de 2009

Filhos da Puta

Filhos da Puta
Sim, certas coisas são lógicas, Deus colocou na forma das coisas seus nomes, uma pedra só poderia ser pedra, uma águia só poderia ter este nome, águia, o Moisés aqui do lado da minha casa tem cara de Moisés mesmo. O que eu realmente não sei o porquê é o fato de Deus privilegiar certos filhos da puta, estes que só de a gente olhar já se sabe: “Sim, são filhos da puta”.
Filhos da puta não estão apenas marcando impedimentos errados, mas sim se espalham por toda parte; aqui na rua tem uns dez que eu consegui contar rápido. Opa, mais um, onze. E apesar da alcunha, eles sempre estão de algum modo em um posto melhor que você. O típico filho da puta é um filho terrível, só causa problema, porém ganha um carro do pai bem antes que você consegue sonhar em dirigir. São eles traidores, bobos, infantis, mas são geralmente os escolhidos pelas garotas, às quais chamávamos de legais e bonitas, isso até sabermos de tal escolha, depois, são elas também parte do grande time. E são muito felizes, isso, filhos da puta são felizes, invejosamente felizes.
Os dentes dos filhos da puta não doem, não, nunca. Eles chegam atrasados e o pessoal acha engraçado e lhes dá um aumento. Filhos da puta leem os livros pela metade, sabem mais ou menos as ideias, mas são eles que tiram 10 nos testes, são eles os preferidos dos professores, são eles que conseguirão a vaga para qualquer coisa a que você concorra. Filhos da puta em concurso de frases farão algo como “Tal companhia apavora!” e tirarão o primeiro lugar, deixando a sua frase tão bem pensada, elaborada, e com uma ideia bem sacada fora da lista dos prêmios. Deus deve mesmo gostar dos filhos da puta.
E é assim tanta injustiça para com a gente, os filhos da mãe mesmo, que nos perguntamos se vale a pena, se vale manter-se como um carpinteiro do universo, tentando remendar as coisas, não deixar as pessoas em má situação, não ofender, não brigar, não tirar proveito, ser justo, doar sangue, a vida, o coração e o telefone. É, de que vale calar-se ao perceber uma pessoa contando algo que você já sabe apenas para não quebrar o entusiasmo da novidade? Um filho da puta não ligaria, quebraria, humilharia e talvez nem perceberia que assim fazia. Filhos da puta são egoístas por natureza, já nascem assim.
E de tanto perderem, aqueles que não nasceram filhos da puta se cansam, cansam de nunca ganharem o que for que disputem, cansam de dar tudo o que podem e nunca ser o suficiente ou ser mais do que o suficiente. Cansam das desculpas das filosofias esperançosas, cansam de sempre se reconhecerem nos personagens sofridos dos livros, de chorarem no final dos filmes ou de se sentirem tão sentimentais e fracos ao som das músicas mais lentas. E cansados, eles se aposentam do cargo de compreensivos e tentam aos poucos se tornarem também filhos da puta.
E assim os filhos da puta aumentam, sem noção, desesperadamente. Acontece aí como uma corrida para ser filho da puta e viver as coisas em vez de só observá-las. Ser feliz através da distração que só um filho da puta conseguiria ter, não se importar com nada, machucar os outros, não respeitar ninguém e, o melhor, perceber ainda que existem aqueles que são como se era e que é a sua felicidade agora que os irrita profundamente.
Sim, sendo filho da puta ganharemos as vagas, os aumentos, os concursos de frase e seremos nós, então, os queridinhos do chefe, os preferidos do papai, e, finalmente, os escolhidos pelas garotas filhas da puta.
Talvez, devido ao nosso passado não tão glorioso, não sejamos assim facilmente reconhecidos como filhos da puta, mas o importante é que agora somos alguma coisa, e temos o aval de Deus.
Logo, cabe a nós, sortudos, casarmos e termos mais e mais filhos, e, seguindo a cartilha dos pais, darmos aos nossos filhos o que nós não pudemos ter: o direito de já nascerem filhos da puta.


Adrian Lincoln

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