quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Se você não me olha, como eu posso me ver?


A solidão será o jardim de onde floresce tua vontade de ir atrás de algo que você nem sabe o que é. Ela se agigantará em teu quarto e te humilhará encurralando-te em teus pequenos e imbecis princípios. A solidão erguerá a verdade esmagada pelas aparências e te fará um idiota. É ela, é ela que te empurra de teu quarto quando a noite cai e te faz conversar com o desconhecido que te odeia. É ela que te fará paparicar o detestável, que te fará beijar a vagabunda, que te fará abraçar quantos e quantos demônios. 

A solidão vai te agulhar o peito quando você vir por aí as propagandas dos felizes, a fila dos elegantes, o circo dos bonitos. Ela te colocará na festa em que te sentirá um estrangeiro, que sentirá a enorme falta da segurança da tua cama, do programa ruim na TV e da fortaleza que é a companhia de tua família. A solidão te assusta a todo instante com o horror que ela é. E por dias não haverá distração que te distraia, ela virá fulminante ao mesmo tempo em que lenta, te esmagando os sentimentos, se agarrando em teu peito, e terá que sair de casa, ligar para o amigo, encontrar um qualquer para simplesmente conseguir o prazer de ser, pois só existe “eu” se existe “você”. A solidão é aquela que te colocará o “sim” na boca mesmo antes da pergunta, é aquela que te cegará as escolhas, e te fará amar mais o amor do que o amado, mais a ideia de estar apaixonado do que propriamente a pessoa escolhida. Sim, não há ninguém mais romântico do que aquele que não tem com quem ser romântico. Este que namorou a solidão, prima-irmã da tristeza, e conheceu o abismo entre os seres, é quem sabe que o mais alto dos gritos não chegará a ser grito se não houver quem o ouça. Dirão que o próprio gritador pode ouvir, e é aí o lugar em que horror habita. Tira-te o outro, e a solidão te matará, pois é a promessa da presença que mantém o náufrago vivo.
A solidão, que me faz te chamar de amigo, amigo, é aquela que te fará mendigar atenções, atravessar as respostas, e procurar o outro, que o filósofo disse ser nosso inferno, mas esqueceu de dizer que é também, e antes de tudo, o nosso paraíso. Bastássemos nós a nós mesmos, e não mais criaríamos nada, não mais conversaríamos, não mais pintaríamos quadro algum, não mais faríamos nenhum tipo de arte, nem perderíamos tempo fazendo qualquer coisa buscando alguma comunicação como, por exemplo, escrever textos sobre ela própria, a solidão.




Adrian, ilustrado por Melu Nunes, para a revista Ponto E Vírgula.



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